Maria do Carmo e Ana Neri moram em Itaquera há 40 anos. Chegaram quando o bairro ainda estava nascendo, sem asfalto. “Não tinha nada, só mato e chácaras” conta Ana. Ambas são mãe e filha. Maria do Carmo lembra que muitos a taxavam de louca por trocar de bairro. “Diziam que era loucura, que eu estava indo morar no meio do mato”, conta a moradora cuja a casa ainda mantém algumas características da época, como a água obtida em poço. Hoje o bairro é um dos maiores de São Paulo, com 1 milhão de habitantes e comércio local altamente desenvolvido. A família faz tudo na própria região. Tudo o que quiserem comprar tem ali por perto. “Esses dias minha filha foi até o Brás comprar roupa e foi assaltada. Levaram até a roupa do corpo”, explica a mãe de família que prefere o comércio local, ainda que a violência também esteja presente na região.

É essa violência que hoje traz a tristeza que paira sobre a casa de 11 cômodos e 4 moradores. O pai de Ana, Dr. José do Carmo, era advogado e contabilista e fora atropelado por uma moto que passava em alta velocidade. O motivo para tanta pressa seria descoberto logo depois: era um bandido que fugia após realizar um assalto. "Essa casa é mausoléu, tudo lembra meu pai", conta. José do Carmo ganhava a vida como professor universitário e após o acidente passou 8 anos de cama. Ana lembra das dificuldades pelas quais passou junto com a sua mãe: "Gritava de dor. Era só eu e a minha mãe e a gente tinha, muitas vezes, que sair correndo com ele pro hospital". Vaidosa, atribui estas dificuldades às rugas e a aparência cansada que insiste em empregar a si mesma. "Minha mãe tem 52 anos, vê se parece!? (...) Não dormia e não comia direito, cheguei a ficar cega dos dois olhos. Operei faz 1ano".

Por tudo isso a família pensa em se mudar da

região. O antigo bairro pacato, com ruas de terra e grandes lotes de fazenda para vender, hoje é uma grande aglomerado de 1 milhão de habitantes. As moradoras atribuem a violência e decadência da região à chegada das Cohabs há 15 anos atrás. Projeto do antigo prefeito, Paulo Maluf, Ana conta que as Cohabs trouxeram a violência do centro da cidade para a periferia. "Junto com a Cohab o Maluf trouxe os maloqueiros que viviam no centro para morar na periferia!", reclama. Enquanto Dona Maria do Carmo esboça uma incerteza sobre para onde ir com uma ponta de desejo de ir para a periferia, "Não sei, talvez mais para o interior ou mais pro centro. Estamos pensando ainda", é interrompida por Ana: "Vamos pro Centro. Aqui não dá mais não. E tem mais: Meu filho está querendo começar a fazer faculdade, fica mais fácil".

Das poucas coisas que sentirão saudades quando deixarem o bairro, está o Obra Social Dom Bosco. Localizada um quarteirão para trás, Ana Neri e Maria de Lourdes atribuem grande parte dos progressos na região ao Projeto. O local oferece cursos profissionalizantes, abrigo para crianças abandonadas, acompanhamento de jovens em liberdade assistida além de outras atividades. Para as moradoras, há um aspecto de maior destaque: "É tipo o Sesi. Sabe o Sesi que tem mais pro Centro? É igual, só que é tudo de graça". De acordo com elas, um Padre, chamado Rosalvino Morán Viñayo, realizava obras sociais na região central de São Paulo. Percebendo que a maior parte dos atendidos eram originários de Itaquera, Pe Rosalvino pediu transferência para atender a região. "O padre falou com os amigos suíços dele e iniciou essa obra enorme", explica Ana sobre o início da obra e da captação de recursos.

Ana só se recorda de ações de cunho político na região a partir de duas ou três eleições atrás (no máximo, ano 1998). Para ela presença destes políticos é boa e reflete o aumento de importância da região. Pergunto qual o tipo de serviço que sentem mais falta na região e a resposta é rápida: "Lazer e Cultura. Não tem um Teatro, um Cinema. O único que tem é no Shopping e acho que fechou", conta. O principal lazer da região é Shopping Metrô Itaquera, inaugurado há dois anos e que fica a 3,4 Km da casa de Ana e Dona Maria. Cerca de 40 minutos a pé.

O problema da violência, que presente na conversa desde o início, para ela é resolvido muito bem pela autoridades, mas cultura ainda falta. Pergunto, então, quais ações governamentais ela tem visto nos últimos anos que melhoraram a situação na região. A resposta parece óbvia: "Desde que a obra Dom Bosco começou a região melhorou bastante. Além dos cursos oferecido, o Padre pediu pra colocar ronda escolar. Pelo menos aqui nos arredores sempre tem alguma viatura rondando, eles inclusive perguntam se está tudo bem dentro de casa" conta Ana com a confirmação da mãe.

A Obra Social Dom Bosco é uma inciativa não governamental que visa a promover o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida e exercício da cidadania de famílias em situação de vulnerabilidade, exclusão ou risco social e pessoal. Conta com parcerias com o setor público e privado, mas sempre por inciativa da Dom Bosco. A intenção é fortalecer a região a partir do desenvolvimento social. Para isso, o projeto participa de atividades junto ao poder público, realizando importantes reivindicações para o bairro. Uma delas foi o Shopping, principal pólo de lazer no bairro. Com o passar dos anos, a Dom Bosco tornou-se uma referência em assistência social na região. Adriana Lima, assistente de coordenação do projeto, conta que os moradores da região procuram o local com frequência. "As pessoas vêm pedir cesta básica, remédio... Elas vêem que as coisas são resolvidas aqui e nos procuram". Nas Subprefeituras da região há um órgão especializado neste tipo de atendimento. É o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), mas poucos moradores a procuram. Quando o fazem, o CRAS procura a Obra Social Dom Bosco.



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